quarta-feira, maio 10, 2006

Para Flora, Fauna e Primavera ou Ela é Cheia de Som e Fúria

Como são as coisas. Veja você. Escrevi aquela baboseira toda sobre o silêncio provocado na jovem Daní de cerca de oito anos atrás – que mais parecem dezesseis – quando da leitura do José do Mann. E isso foi antes de ler A Estética do Silêncio daquela que dá título a este blog que – esteja claro – não é um blog.

E aí me pergunto se, no caos da minha humilde escrita, ficou claro que eu me referia ao meu silêncio e não ao silêncio daquela determinada obra – diga-se de passagem: cheia de som e fúria, sendo o som e a fúria muito particulares à palavra daquele autor.

Então, hello darkness my old friend, I´ve come to talk with you again... Nada mais fútil do que falar do silêncio. E pior: sozinha... Ótimo! Vamos lá. Mudo de assunto e continuo falando da mesma coisa.

Querida Susan,
Na primeira vez que eu te vi, você estava sorrindo. No entanto, infelizmente, já estava morta. Você estava bem bonita naquela parede do MAM, e o peso do seu sorriso me fez parar longamente naquele salão frio, vazio e tão cheio de vibração pelos retratos filmados do seu amigo. Aliás, agradeça ao Warhol por mim, por favor, pois olha só o que ele fez: me apresentou a você em silêncio. Você se mexia pouco, mas com certeza estava viva. Estava de olhos abertos. E pensava. Eu não pensava, olhava apenas, pois não sabia quem você era, ou melhor, fora, e não tinha idéia do que viria a ser. Do que viria a ser para mim.

Hoje penso no silêncio daquele filme que na verdade era uma foto, ou foto que na verdade era um filme. Era um silêncio muito real: ninguém dizia nada. Um silêncio simples, que fazia parte daquela imagem na parede, tão concreta quanto a própria parede. O fato de não poder dizer simplesmente “foto” ou “filme” e nem mesmo “quadro”, era algo que sugeria: “silêncio”.

O silêncio carrega sempre a celebração do seu oposto: ele dá vontade de falar. E, como não poderia ser diferente, ele evidencia a dificuldade de falar. Até nas coisas simples da vida: imagine que você tem quatro lances de escada para descer junto com uma pessoa que você admira muito seriamente e com quem você raramente tem oportunidade de conversar. Você consegue formular uma frase relevante? Annie Hall diria, com razão: “La-di-da-di-da!” O silêncio da obra de arte é igual. Ela também não sabe mais o que dizer para a arte da qual ela faz parte, e então se cala e tenta não dizer nada. Mas sempre diz, e mais ainda quando se cala. Você diz que não existe silêncio num sentido literal. É, num sentido literal talvez não mesmo. Mas uma centelha de silêncio metafórico já é silêncio suficiente.

Este silêncio, seja da obra ou do artista, dá voz ao crítico. E o crítico é parte imprescindível neste constantemente renovado fim de jogo. Pois a cada silêncio, o crítico exerce seu esforço de busca de significado, a cada dissonância, o crítico empresta seus sentidos especializados para enxergar o belo. Neste sentido, o crítico é responsável pela sobrevivência do diálogo entre o artista e seu público, cujo papel muitifacetado você nomeia: patron, client, audience, antagonist, arbiter, and distorter of his work, todos representantes do seu laço servil com o mundo. Mas será que é possível um silêncio da crítica? Não seria isso o verdadeiro fim?

Isso me faz pensar na questão do interlocutor, em especial do interlocutor do ensaio. O interlocutor da obra de arte pode assumir qualquer uma destas formas, e talvez ainda muitas outras, mas o interlocutor do ensaio é sempre um amigo; um amigo especializado, mas um amigo. Você não acha isso muito bonito?

Bobagem. Muito bonito deve ter sido montar aquela peça, naquele lugar e naquela época...
“E no fim da apresentação das 14 horas do dia 19 de agosto, durante o longo e trágico silêncio dos Vladimires e Estragons que segue à notícia trazida pelo mensageiro de que o senhor Godot não virá hoje, mas sem dúvida há de vir amanhã, meus olhos começaram a arder de lágrimas.”
Enquanto você chorava pela primeira vez diante do seu Esperando Godot em Serajevo, no dia do meu aniversário em 1992, eu comemorava meus dezesseis aninhos me perguntando se queria ser atriz, diretora ou produtora. Ninguém me disse que eu poderia ser crítica. E a minha vontade de ser escritora estava tão bem guardada na minha Bolsa Amarela, que eu já nem me lembrava dela. Estava guardada como se guarda um “longo e trágico silêncio”.

Sempre me perguntei o que eu vou ser quando crescer. Eu me perguntei isso quando era criança, me perguntei isso na época do vestibular, me perguntei isso depois de ter abandonado a terceira faculdade, me perguntei isso na minha vida nômade de trabalhos injustificáveis. E me perguntei isso pela última vez recentemente, beirando os 30, quando você me xingou de provinciana porque eu nunca tinha lido Memórias Póstumas de Brás Cubas...

Stop! Fim do primeiro ato! Agradeço a machadada. Corri a ler no dia seguinte, em busca do tempo perdido. Aliás, interrompi a minha leitura de Em Busca do Tempo Perdido para recuperar minha falta com Machado de Assis, pois é de fato muito provinciano que eu leia À Sombra das Raparigas em Flor sem ter lido Memórias Póstumas de Brás Cubas. Só que mais importante do que esta redescoberta foi a resposta àquela pergunta infeliz. Entre um ensaio e outro, um WHAAAM! Conclusão dilacerante! Pois as condições de tal realização são frágeis demais, e ao alívio de poder responder com a única frase que ressoa no meu grande silêncio, junta-se a certeza aterradora de que esta decisão é trágica, de tão irrevogável:
Quero ser Susan Sontag.

(Por isso recorro às fadas-madrinhas-fofinhas da Bela Adormecida - Flora, Fauna e Primavera - pois vou mesmo precisar do triplo da sorte de um conto de fadas pra transformar este meu cérebro de abóbora em uma carruagem brilhante de significado.)

3 Comments:

Blogger tangerinas incendiárias said...

gosto do seu talento para ser danielle avilla...
não que sua ambição seja algo menos que louvável, sabendo-se conteudo e não forma.
mas onde não há diferença não há igualdade, incomparáveis que somos...

quinta-feira, maio 18, 2006  
Anonymous Anônimo said...

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!!!

domingo, julho 16, 2006  
Anonymous Anônimo said...

Quero ser daní avila...porque daní, se eu não for vc, vou ser obrigada a te odiar muito. E isso seria tão impossível quanto te ser!
Agora, sério,
das 3 fadas madrinha vc já tem uma (hehehe).
E dependendo da escada, o seu silencio já percorre outras dinamicas.
E é tão bonito ver a Sontag atraves dos seus olhos...

domingo, julho 16, 2006  

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