Anish Kapoor - Um passo à frente e vertigem
Sobre Ascension, exposição de Anish Kapoor no CCBB
Por Daniele Avila
Ascension, que esteve no CCBB de julho a setembro de 2006, foi a primeira exposição individual de Anish Kapoor na América Latina, que reuniu trabalhos que sintetizariam algumas das preocupações básicas do artista, como por exemplo os conceitos de presença/ausência; estar/não-estar; lugar/não-lugar; sólido/intangível; materialidade/imaterialidade.
Wounds and Absent Objects é o "peixe fora d'água" da exposição. Em meio a peças cheias de apelo visual e tátil, a projeção fica deslocada e despropositada aos olhos do público ansioso do CCBB. Enquanto uns poucos se sentam no chão para assistir sem pressa, a maioria passa direto depois de conferir a projeção por cerca de cinco segundos. Ouve-se um ou outro bufando ou reclamando, provavelmente ferido pela ausência de objetos.
A sala que abriga cinco trabalhos parece uma casa de loucos: pessoas dando passos para frente e para trás, para um lado e para outro, se abaixando, se elevando e dando risinhos bobos diante de uma parede vazia; outros formam uma fila em espiral em torno de um grande cilindro de aço, como se estivessem na Disney; alguns pais tentam impedir que os filhos ultrapassem a faixa amarela, outros nem se incomodam.
O cilindro é chamado Pillar, onde uma pessoa pode entrar e experimentar a sensação de um abismo finito e vertical, por mais contraditório que isso possa parecer: um efeito visual que contesta a nossa confiança na solidez do chão, de uma parede de aço e do nosso próprio corpo. Alguns saem um pouco frustrados por terem enfrentado uma fila para isso. Mas um dos pontos interessantes da exposição é observar a expressão de cada pessoa, logo após sair dali de dentro: não existe repetição.
Iris e a obra sem título (escultura em bronze de 4,5 metros de altura) dialogam dentro do espaço, na medida em que ambas problematizam a sempre presente plaquinha que diz "é proibido tocar na obra" ou coisa parecida. Iris parece côncavo e convexo ao mesmo tempo; a escultura de bronze não desperta interesse de longe, mas quem se aproxima se detém por alguns instantes tentando entender por que ela produz um reflexo invertido; de repente, um pequeno sobressalto: os olhos identificam sua forma oca, que se revela e se disfarça contra a vontade de quem vê.
Nesta mesma sala uma tensão na parede guarda a graça do trabalho de Anish Kapoor: White Dark VI e When I am Pregnant, respectivamente, um buraco e uma protuberância na parede, polidos e iluminados de forma a se mostrar apenas de determinados ângulos. Assim como Pillar, elas provocam, em um passo à frente, uma sensação de vertigem, embora com outro tom: há uma considerável diferença entre produzir ilusão com qualquer material sólido e produzir ilusão com a parede de um museu.
E por falar em parede, To divide tem o seu encanto. Mais uma vez, o tema parece mesmo ser a parede do museu. Só que desta vez, Kapoor não está mais falando da parede em que se penduram obras, mas da parede que separa o museu da rua. O peso do material (cinco toneladas), sua solidez, aquela imensidão de vermelho e a textura que indica um movimento interrompido dão uma idéia de transbordamento, como aquela cena do filme O Iluminado de Stanley Kubrick (me pergunto se foi com todo aquele ímpeto que a arte transbordou dos museus). Este trabalho incita a pergunta espirituosa, sobre o movimento contrário e anterior: como é que isto tudo veio parar aqui dentro?
Quanto a Ascension, instalação que dá nome à exposição, a versão do catálogo parece bem mais interessante do que aquela no foyeur do CCBB, que revelava, ou melhor, ostentava demais os mecanismos e anulava qualquer possibilidade de imaginação. Segundo Anish Kapoor, o tema é a única razão de ser artista. O que esperar dos temas de um artista que cresceu na Índia mas foi criado como judeu e mudou-se para Londres na adolescência? No caso da obra em questão, o artista associa o tema com a coluna de luz que guiou Moisés ao deserto. Mas o episódio da mitologia hindu que envolve uma coluna de fumaça é muito mais interessante. Na história de Moisés, a coluna de fumaça faz um movimento para cima e tem um fim: conduzir Moisés ao deserto. Na de Brahma, Vishnu e Shiva, a coluna de fumaça não leva ninguém a lugar nenhum, é infinita, tanto para cima, quanto para baixo; sua elevação pressupõe imediatamente uma descida, idéia que traria um peso diferente para o nome Ascension. A que está no catálogo permite este desvio para baixo pelas frestas na tábua corrida do chão; a que estava no CCBB impedia a variação de ângulo do olhar por causa da presença ostensiva da máquina de fumaça.
Em entrevista ao curador da exposição, Kapoor afirma que a maioria dos seus trabalhos se refere mais à escuridão do que à luz. Acho que não foi o caso desta exposição especificamente. Tudo estava claro e reluzente, talvez com exceção de To divide. Não seria nada mal ter vivenciado um pouco mais de escuridão em Ascension.
Por Daniele Avila
Ascension, que esteve no CCBB de julho a setembro de 2006, foi a primeira exposição individual de Anish Kapoor na América Latina, que reuniu trabalhos que sintetizariam algumas das preocupações básicas do artista, como por exemplo os conceitos de presença/ausência; estar/não-estar; lugar/não-lugar; sólido/intangível; materialidade/imaterialidade.
Wounds and Absent Objects é o "peixe fora d'água" da exposição. Em meio a peças cheias de apelo visual e tátil, a projeção fica deslocada e despropositada aos olhos do público ansioso do CCBB. Enquanto uns poucos se sentam no chão para assistir sem pressa, a maioria passa direto depois de conferir a projeção por cerca de cinco segundos. Ouve-se um ou outro bufando ou reclamando, provavelmente ferido pela ausência de objetos.
A sala que abriga cinco trabalhos parece uma casa de loucos: pessoas dando passos para frente e para trás, para um lado e para outro, se abaixando, se elevando e dando risinhos bobos diante de uma parede vazia; outros formam uma fila em espiral em torno de um grande cilindro de aço, como se estivessem na Disney; alguns pais tentam impedir que os filhos ultrapassem a faixa amarela, outros nem se incomodam.
O cilindro é chamado Pillar, onde uma pessoa pode entrar e experimentar a sensação de um abismo finito e vertical, por mais contraditório que isso possa parecer: um efeito visual que contesta a nossa confiança na solidez do chão, de uma parede de aço e do nosso próprio corpo. Alguns saem um pouco frustrados por terem enfrentado uma fila para isso. Mas um dos pontos interessantes da exposição é observar a expressão de cada pessoa, logo após sair dali de dentro: não existe repetição.
Iris e a obra sem título (escultura em bronze de 4,5 metros de altura) dialogam dentro do espaço, na medida em que ambas problematizam a sempre presente plaquinha que diz "é proibido tocar na obra" ou coisa parecida. Iris parece côncavo e convexo ao mesmo tempo; a escultura de bronze não desperta interesse de longe, mas quem se aproxima se detém por alguns instantes tentando entender por que ela produz um reflexo invertido; de repente, um pequeno sobressalto: os olhos identificam sua forma oca, que se revela e se disfarça contra a vontade de quem vê.
Nesta mesma sala uma tensão na parede guarda a graça do trabalho de Anish Kapoor: White Dark VI e When I am Pregnant, respectivamente, um buraco e uma protuberância na parede, polidos e iluminados de forma a se mostrar apenas de determinados ângulos. Assim como Pillar, elas provocam, em um passo à frente, uma sensação de vertigem, embora com outro tom: há uma considerável diferença entre produzir ilusão com qualquer material sólido e produzir ilusão com a parede de um museu.
E por falar em parede, To divide tem o seu encanto. Mais uma vez, o tema parece mesmo ser a parede do museu. Só que desta vez, Kapoor não está mais falando da parede em que se penduram obras, mas da parede que separa o museu da rua. O peso do material (cinco toneladas), sua solidez, aquela imensidão de vermelho e a textura que indica um movimento interrompido dão uma idéia de transbordamento, como aquela cena do filme O Iluminado de Stanley Kubrick (me pergunto se foi com todo aquele ímpeto que a arte transbordou dos museus). Este trabalho incita a pergunta espirituosa, sobre o movimento contrário e anterior: como é que isto tudo veio parar aqui dentro?
Quanto a Ascension, instalação que dá nome à exposição, a versão do catálogo parece bem mais interessante do que aquela no foyeur do CCBB, que revelava, ou melhor, ostentava demais os mecanismos e anulava qualquer possibilidade de imaginação. Segundo Anish Kapoor, o tema é a única razão de ser artista. O que esperar dos temas de um artista que cresceu na Índia mas foi criado como judeu e mudou-se para Londres na adolescência? No caso da obra em questão, o artista associa o tema com a coluna de luz que guiou Moisés ao deserto. Mas o episódio da mitologia hindu que envolve uma coluna de fumaça é muito mais interessante. Na história de Moisés, a coluna de fumaça faz um movimento para cima e tem um fim: conduzir Moisés ao deserto. Na de Brahma, Vishnu e Shiva, a coluna de fumaça não leva ninguém a lugar nenhum, é infinita, tanto para cima, quanto para baixo; sua elevação pressupõe imediatamente uma descida, idéia que traria um peso diferente para o nome Ascension. A que está no catálogo permite este desvio para baixo pelas frestas na tábua corrida do chão; a que estava no CCBB impedia a variação de ângulo do olhar por causa da presença ostensiva da máquina de fumaça.
Em entrevista ao curador da exposição, Kapoor afirma que a maioria dos seus trabalhos se refere mais à escuridão do que à luz. Acho que não foi o caso desta exposição especificamente. Tudo estava claro e reluzente, talvez com exceção de To divide. Não seria nada mal ter vivenciado um pouco mais de escuridão em Ascension.
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